A diferença entre brincar e jogar é um tema recorrente. O video-artista e fabricador de poéticas outras, Marcelo Kraiser, falou-me de um jogo que não teria regras.
A conversa era sobre improvisação. Marcelo é co-idealizador, comigo, do projeto Improvisões, que proporciona a interação ao vivo, diante do público, de artistas de meio heterogêneos (imagem, corpo e som), numa criação não hierárquica.
No caso do jogo sem regras, Kraiser refere-se a artistas que compõem numa forma de jogo. Algo como apostas que eles realizam e nas quais se arriscam.
Lembro do controle, jogo de bola que pode ser praticado sozinho ou com parceiros. Você não deve deixar a bola parada no chão, lembrando que se trata de um jogo de futebol (sem colocar a mão na bola e, no caso, sem goleiro). Essa a sua aposta. Atira com o pé a bola na parede, que irá ser rebatida como se fosse um adversário ou parceiro, você a apanha com o pé, ou outra parte do corpo e continua o controle. Aliás, filósofo Gadamer, em Verdade e método, aborda o jogo, lembrando que a bola só é interessante porque é redonda, fungindo, por isso, ao nosso controle.
O que quer dizer um jogo sem regras? O jogo controle teria uma regra básica: não deixar a bola parar no chão. As regras são implícitas aos jogos, como fica? Mas existem regras e regras.
Mais do que uma regra, é uma aposta, segundo Marcelo Kraiser. A regra de que se fala aqui é aquela que prediz o resultado. Ela direciona a experiência numa estruturação determinada. Algus jogos são chamados, assim, de jogos de regra, como Piaget, um dos estudiosos classifica. No entanto, ele mesmo fala de um jogo de exercício (um jogo sensório-motor baseado na pura repetição) e no jogo simbólico (no qual se dá uma vivência ficcional). Tais classificações, entretanto, não me satisfazem mais, até porque elas estão montadas numa estrutura de desenvolvimento do sujeito cognitivo.
O jogo de regras, entretanto, é o mais difundido pelos sistemas pedagógicos, justo pelo seu caráter de controle e, posso dizer, moral. Durante alguns anos acreditei nisso, imagine! Os sistemas de educação te formam para apreender as coiasas por essas vias. Mas foi o brincar exploratório e sensível que me libertou dessa junção entre consciência moral e jogo. E não é atoa que recusei os jogos teatrais como processo de treinamento e criação em teatro e, principalmente, em arte-educação.
Portanto, mais fecundo para a criação artística e a cultura do brincar em suas linhas de errância, é o jogo como aposta. Eu projeto algo numa certa direção (o que vai), mas a resposta, não está no meu controle (o que vem). Algo a ver com o desejo como aposta. E aí, entre uma coisa e outra, as variações são infinitas.