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O outro incluso e a narrativa: crianças jogando bola na rua

Ao descer a rua, numa tardinha, passo por dois meninos jogando bola numa esquina, tendo duas garagens de cada lado da rua, com os respectivos portões como gol. Me pareceu, o jogo, algo como “gol a gol, se pega com o pé é dribla”.

Um dos meninos, por volta de uns onze anos de idade, liderava em habilidades técnicas com a bola. O outro, próximo também dessa idade, apresentava dificuldades. Ele não dominava a bola como o amiguinho, e eu como que entrevia o que poderia ser também alguma coisa da ordem da organização mental para aquele jogo.

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Teatro antes do teatro: o brincar e a cultura das ruas

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Tive o privilégio de viver o teatro antes de conhecer o teatro. Como foi isso? Início dos anos 50, no nordeste de Minas, Teófilo Otoni. A televisão ainda não havia chegado lá. Mas já tinha ido ao cinema.

Então, isso já não era uma influência cultural? Sim, de qualquer jeito.  Mas tal matéria fílmica era muito diferente dos comportamentos representados diante do outro. Era uma janela tremulante e mágica. Vinicius de Moraes falava que a imagem projetada é como aquela pequena chama no meio da escuridão: um fascínio ancestral.

E o teatro? Eu nunca havia visto. Então, eu brincava de quê? E como se pode dizer que toda criança pequena faz teatro sem conhecer teatro? Meu avô fez para mim uma espada de madeira pequena. Vivi o tempo da feitura, do imaginário forjado ali na minha frente. Uma duração. E tive brinquedos comprados também. Revólveres que me encantavam, um ao lado do outro. Sim, os cowboys, eu os vivia intensamente. E uma espingarda de pressão com uma rolha e um barbante na ponta. Mas nada disso era  mais forte que outra coisa: o ato de brincar como poiesis. Pois o brincar antecede o brinquedo: é maior do que ele. 

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Mãe da rua: um tempo que se foi

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Gostei muito do livro de Ettore Bottini, Mãe da rua (São Paulo: Cosac Naify, 2007). Bom para ler junto com os filhos. Acho que funciona mais com meninos. As brincadeiras e o mundo de vida ali apresentados concernem a esse universo. Como diz o autor: “este é um livro para ex-meninos. Se as meninas quiserem, que escrevam o seu”. Acredito, porém, que ex-meninas interessadas na cultura lúdica das ruas vão se esbaldar e, talvez, um dia vão querer escrever o seu.

“Vai brincar na rua, moleque! – disse a mãe. E nós fomos. É claro que a frase foi pronunciada numa São Paulo já distante no tempo, quando a profissão das mães era declarada no recenseamento como ‘prendas domésticas’, quando as ruas comportavam com folga o número de automóveis e quando ainda não existia a neurose atual da violência urbana.”

Assim começa o livro de Ettore Bottini. É farto de imagens, descrições de brinquedos e brincadeiras praticadas por meninos naqueles tempos idos. Ele descreve, além disso, os territórios, as negociações entre os bandos e as pequenas armas. Uma delícia rever tudo isso.

E uma curiosidade: fiquei sabendo de um jogo, o Taco, que tem algumas semelhanças com um jogo muito comum nos anos 60 e 70, que era o Bente altas, licença para dois. Parece que o primeiro era encontrado em São Paulo e o último em Minas Gerais. Ao que tudo indica, ambos os jogos têm influência do Beisebol.

Por fim, são essas saudades de um mundo onde o conhecimento e a sociabilidade passavam antes pelo sensível e que, por isso mesmo, tanto se assemelhava à arte. Recomendo, muito.

Mais referências

Bente altas. Mapa do brincar.

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A festa junina, o tempo e a duração

Meu pai na cama, com seus 93 anos e  pouca mobilidade, tentou cantar baixinho: “É noite de São João…” A voz nem saiu direito. E mais não fez, não conseguindo continuar. Ajudei: “Chegou a hora da fogueira…” E cantei umas vezes para ele.

– Você se lembrou!

Meu filho mais novo, com seus quase 10 anos de idade, ficou parado, vendo a cena. Alguma coisa se passou.

Isso veio do nada. Ou de algum lugar. Depois, ele me mostrou que a televisão havia mencionado qualquer coisa sobre a música ou a festa junina.  Mas não foi daí que veio esse afeto. Inútil explicar.      

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Tempo de brincar de quê?

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Portinari: Meninos pulando carniça, 1957

A infância tornou-se, em determinados momentos históricos e em alguns contextos sociais, detentora da memória lúdica humana. Ela conquistou essa memória porque os adultos estavam por demais ocupados com a produção e a reprodução da vida, deixando ao mesmo tempo às crianças um tempo mais livre, distante da sua vigilância.

Além de serem depositárias de uma memória que os adultos não podem, nas sociedades industriais, exercitá-la, as crianças reinventam a história humana. Inventam o tempo em que os seres humanos se envolvem corporalmente com o mundo. A criança fabrica o sentido e explora os sentidos antes de ficar memorizando abstrações. Entra em contato com a terra, deixando-a deslizar pelas mãos, sentindo o seu escoamento até fazer um filete comprido, quando é mais fina. Ou então socar, ajuntar, atirar ou formar, se é mais grossa e úmida. Muitos artistas continuam fazendo e por isso eles guardam uma estranha e aparentemente secreta sensação de felicidade e liberdade.

As brincadeiras infantis relacionam-se em muitos casos com o tempo, com o seu caráter de estação. Quando o que fazemos interage com o mundo físico natural e a sensibilidade não está embotada, a cada época uma onda varre o território e todos testemunham algo inelutável: é tempo disso, ou daquilo…