Ando pelos becos da Vila Nossa Senhora de Fátima, em Belo Horizonte. É sábado de manhã e uma menina de uns doze anos reúne em sua volta um grupo de meninas menores. Elas brincam de boneca e de fazer comida com terra. Enchem as vasilhas de brinquedo, fazendo formas. Percebe-se claramente nessa atividade a preocupação da menina mais velha em cuidar das crianças menores. Possivelmente esta é uma tarefa doméstica, isto é, não lúdica, mas concreta, bem real. Talvez o fim esteja lá: é preciso tomar conta das menores. E é justamente nisso que entra o espírito lúdico: o fim é transformado em meios que se dilatam através do envolvimento sensível com a experiência (mexer com terra, criar um cenário doméstico), satisfazendo necessidades que a finalidade posta (tomar conta das irmãs menores) não pode satisfazer. Necessidades que dizem respeito ao desenvolvimento daquelas crianças, inclusive da mais velha.. A brincadeira, portanto, passa a ocupar o centro da atividade.
Nessa visada do brincar através da teleologia das ações humanas, a utilidade de determinado produto que delas pode resultar é outro ponto de destaque. Um marceneiro faz uma cama para que se possa nela dormir, podendo igualmente servir de valor de troca. Uma criança faz uma cama para sua boneca dormir – não tem esta ação de preparar ou de fazer a “cama” uma finalidade extrínseca ao jogo. Diferentemente do adulto que, ao fabrincar um objeto, elege os meios para se atingir os fins, a criança faz dos meios o fim. O filósofo Emanuel Kant, ao abordar o juízo de gosto, fala de uma finalidade sem fim, de uma finalidade puramente formal. Uma finalidade formal não serve para nada… Serve para criar – serve para brincar.