Estou no pátio vendo crianças de 5 anos brincando. Um menino corre, como os outros, chamando-me a atenção para um gesto muito simples: ele vem, sobe na muradinha onde estou sentado, abre os braços, olha para o espaço, depois desce e continua a correr. Não sei qual era a fantasia daquele garoto no momento em que ele fez aquele gesto. E nem seria preciso.
Posso extrair do seu movimento algumas notas. Para tanto, vou trabalhar com os elementos que me tocaram (os elementos sensíveis, dados à percepção): a pausa no meio da correria, o gesto de abrir os braços e olhar o espaço. Em primeiro lugar, seu gesto forneceu-lhe um poder: naquele momento, o gesto de abrir os braços adquiriu um significado forte, tanto pela pausa, pelo olhar, quanto pelo investimento em termos de imagem interior que se faz acompanhar do movimento.
Não era um gesto banal, dissolvido no meio de uma série de outros, mas um gesto preciso, solene. Dizer se ele voava ou coisa parecida leva-me para longe do seu gesto, pois estarei, neste caso, abandonando a presença que se impõe para me ater a considerações que não são imediatamente evidentes – o que não contribui para uma leitura do brincar. No seu gesto, posso concluir, o menino narrou um mito. Ele experimentou um poder – era perceptível isso no seu gesto, no modo de olhar o espaço
[1] Observação feita na Escola Balão Vermelho, Belo Horizonte, maio de 1996. Naquele momento, eu atuei apenas como observador. Nesse relato há uma mudança radical no meu modo de ver o brincar corporal: não mais o par significante-significado, mas as forças e potências da gestualidade. O que me levou, entre outras coisas, ao teatro físico e pós-dramático.