Dim é um artista brincante. Como ele mesmo diz: “brinca de fazer brinquedos artesanais”. E isso há quarenta anos! Publico a seguir um pouco de sua história com o brinquedo, o brincar e a arte, a partir de uma mensagem que ele me enviou. Uma história muito bonita, de encher a vista.
João-teimoso: persistência e alegria
“Um dos brinquedos que eu mais gosto é o João-teimoso, porque ele traz a idéia de persistência, de nunca desistir dos nossos ideais. Ele foi um dos primeiros brinquedos que conheci, foi na feira de Camocim, a pedra. Chamava-se pedra porque era uma feira no calçamento mesmo, e tinha um pano estendido no chão e alguns brinquedos, mané-gostozo, rói-roi, na época conhecido como besouro. (…) E tinha um brinquedinho com umas orelhinhas pra cima, que parecia um coelho: era todo enfeitado com papel de seda e pintadinho, a gente derrubava e ele voltava, e eu gostava demais desse brinquedo porque achava interessante ele ir e voltar. Aí eu desmontei e descobri que tinha um peso ali em baixo, foi assim que descobri o João- teimoso. Até hoje ele está em tudo nos meus trabalhos.
No dia que eu entrei na embaixada do Japão encontrei lá uma revista que estava falando do João-teimoso. Descobri, então, que ele nasceu no Japão há 1500 anos atrás. Lá ele é um talismã, que representa um sacerdote budista chamado Daruma, que está em posição de meditação, daí não aparecem as pernas, que era um questionamento que eu me fazia. Ele representa, com esse movimento de cair e levantar, a resistência, que é o que a minha intuição já me dizia: que a gente tem que ser persistente, nunca desistir de nossos ideais.
Como surgem os brinquedos
Os meus brinquedos entram e saem das telas porque estou o tempo todo brincando, brinco de fazê-los, brinco de retratá-los, dou enredo a eles, enredo que na verdade sou eu mesmo, às vezes retratando coisas que vivi, às vezes vivendo a minha fantasia.
Muitos eu invento, outros são releituras de brinquedos que estão na minha memória. O trapezista é um brinquedo que brinquei, e é o circo também. Na minha infância, em meu bairro, aparecia muito circo, que a gente chamava “pinico sem tampa”, e eu adorava os espetáculos, a figura do trapezista, como a do palhaço e do monociclista, que foram muito presentes nesse período. Também o pratista e o carrossel são releituras, mas o pratista teve a influência da banda de música da minha cidade e o carrossel dos parques de diversão que apareciam em Camocim em época de festejo.
O roí-rói era um brinquedo que aparecia em festa de padroeiro, e minha avó fazia esse turismo religioso, de visitar as cidades vizinhas em época de festa de santo, e ela sempre trazia brinquedos pra gente, e um dia ela me trouxe o rói-rói, que é um brinquedo sonoro, também conhecido como besouro, berra-boi, corroco-roco. Ele era feito de barro, hoje faço com canos de papelão.
O brinquedo-maquinismo: memórias
Mas sempre fui muito curioso, e desde de criança que estudo mecanismos. Quando eu era menino pequeno, o algodão doce era vendido em um carrinho, que tinha uma espécie de maquininha à manivela. (…) Só sosseguei quando descobri como funcionava aquele mecanismo, aí eu o readaptei e a partir dele produzi alguns brinquedos. E é assim, muitos brinquedos são junções de vários mecanismos, que descubro ou que invento, de acordo com a necessidade que tenho de chegar ao movimento que eu quero dar.
Dos materiais
Estou sempre juntando material, ter uma diversidade de materiais me ajudam a inventar soluções não convencionais. Se vejo um parafuso perdido na calçada, uma tampinha, um arame torto eu pego e ponho no bolso, e quando eu estou fazendo alguma coisa, e tenho a necessidade de um material lembro que aquela coisa, que juntei no lugar tal, vai dar certo pra resolver essa situação. Vou juntando um material e quando chega a necessidade eu uso.
Quando pego um material eu não predetermino, ah! Isso aqui serve pra um galo ou outra coisa, eu não levo sabendo que aquilo tem que ser pra aquilo. Se eu encontro um material que sei que é bom, eu guardo sabendo que um dia ele será utilizado em alguma coisa. Eu gosto de ter várias coisas em casa pra testar. Eu fico é admirado depois, quando um material dá certo, e digo pôxa! Quando as coisas tem que ser é porque tem que ser mesmo.
Processo de criação
Todas as minhas experiências entram no meu processo de criação. Por exemplo: se faço um trabalho de reforma na minha casa e acompanho o pedreiro, aprendo com ele novas técnicas, que vêm também para o meu trabalho. Eu uso todas as técnicas e aproveito tudo, todo o meu caminho de vida se insere em meu trabalho.
Eu faço arte desde quando eu me entendo como gente. Na minha infância, em Camocim, eu era o menino mais danado do bairro, me chamavam até de Zé faz TUDO, que era o nome do carpinteiro no bairro que fazia tudo.
Na minha cidade tinha o Zezinho do gás que era mamulengueiro e eu achava lindo demais os bonecos dele e queria fazê-los, mas como eu era criança e não tinha ainda muita habilidade, pegava os talos de coqueiro que eram mais moles, fáceis de cortar, botava umas meias, uns pedaços de panos, e fazia os meus bonecos.
Às vezes eu ia para o centro da cidade de Camocim e via uns vendedores de remédio brincando com ventríloquos, eu via aqueles bonecos e tentava fazer também. Tudo que eu via eu queria fazer, e brincava com tudo: no inverno eu brincava de fazer canoa com casco de melancia. Fazia barragem, pegava o maxixe colocava uns palitinhos, fazia um curral e brincava de vaqueiro, brincava de tomar banho na chuva, de pião, de bila. Na época dos ventos, brincávamos com arráia, que é a mesma pipa – os pais da gente também faziam pipa e brincavam com a gente. Minha infância foi muito legal, sempre brincando o tempo todo e sempre fazendo alguma coisa.
Eu via uma coisa e queria fazer, pintava, desenhava, sem ter preocupação de estar ou não fazendo arte. Eu não estava preocupado em ser artista, minha única preocupação era me realizar, e eu estava apenas feliz por estar fazendo tudo aquilo, brincando e inventando. Eu tinha o apoio dos meus pais e dos meninos, que gostavam muito de mim porque eu inventava as coisas. Por exemplo, a gente brincava de bola e queria fazer campeonatos de futebol, não tinha troféu e, então, eu mesmo fazia os troféus, pegava uma madeira lixava, pregava um pedaço de alumínio e outras coisas e fazia. Eu não tinha ainda a compreensão do que era a reciclagem mas já reciclava, era a necessidade que fazia eu criar as coisas e aí eu aproveitava o que tinha.
Do brincar ao fazer artístico e vice-versa
O meu avó era cego e contava histórias, e elas me despertavam muita fantasia. Eu ficava muito excitado com aquelas histórias que eram histórias de trancoso, que tinham coisas surreais. Aquelas coisas ficavam na minha cabeça e eu queria fazer aquelas coisas que nem existiam. Eu inventava tudo, aí eu continuei fazendo tudo isso. Na verdade não houve um começo do meu fazer artístico, houve sim uma continuidade do meu brincar de criança…
Eu vim tomar consciência de que era artista já com dezoito anos, quando eu conheci um artista plástico, o Batista Sena. Eu fui visitá-lo, e quando cheguei em sua casa fiquei impressionado com a sua pintura, com a forma de decorar a casa. Achei aquilo tão legal que eu fiquei lá, ajudando, foi aí que ele me disse “rapaz você é um artista”. E a partir daí eu passei a conhecer novos materiais, tinta, aprender a trabalhar com pincéis, a me dedicar conscientemente as artes plásticas, mas desde que eu me entendo por gente que eu já trabalho com pintura, com tintura, porque a minha família é uma família de artesãos. Eu sempre fiz arte mesmo sem saber que era arte, hoje eu apenas faço com mais cuidado, com mais profissionalismo, porque o tempo vai passando e a gente vai aprendendo.”
Referências:
Álbum das imagens de Dim no Picasa
Obs. Subtítulos do editor deste blog.
5 respostas em “Um artista brincante: Dim”
MARAVILHOSO!!!!
Lembrei das minhas brincadeiras…brinquei…sonhei!
Fiquei com vontade de conhecer o ateliê.Onde fica??
Ô…De encher a vista mesmo, tanto a história quanto as imagens…
Assino embaixo. Fantástico! Já passei pra uma amiga designer daqui de Milão.
Eu não sabia que o João Teimoso tinha essa relação com o Darumã…bacana!
Andrea,
Reproduzo a última mensagem que o Dim me enviou, quando eu lhe disse que você queria o contato e endereço:
“Caro Luiz Carlos
Gostei muito da materia. Muito obrigado por sua atenção e delicadeza.
Eu moro em Pindoretama, Ceará, a 60km de Fortaleza, no Sitio Brinquedim ( uma pequena reserva de mata, bichos e brinquedos), na Estrada da Coluna, Capim de Roça, SN. Meu telefone é (85) 87051956, é aqui que fica a minha galeria. Mas o Museu de Folclore Edson Carneiro, na rua do Catete 179, Catete, Rio de Janeiro, tem vários brinquedos meus.
Brinquedim, brinquetu, brincamos nós!
Um abraço
Dim”
Endereço eletrônico: brinquedim@yahoo.com.br
Então, é isso.
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