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O brincar, o sensível e a arte

Imagem: Tomás Rotger

Estou às voltas mais uma vez com a questão: como se dão as passagens entre um plano de sensibilidade, próprio da cultura lúdica da infância, e o plano de arte?

Esses três planos não existem em relação de continuidade e nem se apresentam como coisas idênticas. Porém, todo um movimento da arte contemporânea tem nos levado a repensar as relações entre a arte e a vida. A separação entre arte e vida foi, durante muito tempo, algo dado. Do lado da vida a instabilidade, o efêmero, o que se desgasta e se perde. Do lado da arte, o que se conserva (pelo menos no espírito), o que transcende nossa existência precária. São essas fronteiras que passam a ser questionadas, tornando-se menos rígidas.

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Arte-Educação Geral

Arte-Educação e Ernest Fenollosa: do caderno de anotações (1)

ideograma

No livro Ideograma: lógica, poesia e linguagem, Haroldo de Campos (organizador e  um dos autores) aborda entre outras questões, o pensamento e a trajetórica intelectual  de Ernest Fenollosa, traçando, inclusive, uma breve abordagem dos elementos que ele apresentou como educação para arte. Fenollosa foi um pesquisador voltado para a poesia (Pound), os ideogramas e arte oriental.

Sublinho as duas linhas principais dessa visada: a ênfase na atividade criadora e não-imitativa e no estudo da composição. Tudo guiado por uma perspectiva relacional.  Fenollosa foi inovador para sua época, quando desmontou preconceitos contra a compreensão das artes e do pensamento chinês e japonês. Alguns o consideram precursor da moderna antropologia.

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O aprendizado: Proust visto por Deleuze

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Imagem: Amanda Please

Perguntamo-nos o que é aprender e como se pode aprender. Mas por que queremos ou devemos aprender? Os animais aprendem desde cedo a sobreviver. Nós humanos somente  podemos contar, de início, com nossa fragilidade,  nossa inadaptação, nossa dependência da cultura dos cuidados, que é também  matéria e veículo de expressão e conhecimento. E vamos em busca de algo! Mas para quê?

Ciência, arte, filosofia e amor constituem nossos aprendizados.  E assim adentra-se, seguindo Gilles Deleuze, na obra de Proust, Em busca do tempo perdido. Trata-se, para Deleuze, de uma “busca da verdade”.  Pois, se a obra “se chama busca do tempo perdido é apenas porque a verdade tem uma relação essencial com tempo”.  O prazer decorrente das nossas buscas, diz Deleuze, é um prazer pela verdade. No entanto, não temos a condição natural de buscar a verdade. Deleuze mostra, a partir de Proust, que “nós só procuramos a verdade quando estamos determinados a fazê-lo em função de uma situação concreta, quando sofremos uma espécie de violência que nos leva a essa busca”.  E completa dizendo que não se encontra a verdade naturalmente, sem um esforço de autorecriação, posso dizer. Para Deleuze “ela se trai por signos involuntários”.

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Os jogos corporais e simbólicos da criança: entre a ficção e o real

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Volta e meia deparamo-nos  com o tema da violência e da agressão nos jogos corporais e simbólicos das crianças.  Nesta hora perguntamo-nos sobre os limites entre realidade e ficção. E mais: em que medida tais ficções, supondo que estejamos nesse campo, acabam por influenciar o comportamento real? Questões que se fazem recorrentes, principalmente nas práticas do Teatro-Educação, quando o real e o imaginário parecem se misturar. Ocorre de encontrarmos esses temas violentos e agressivos nos desenhos das crianças. Veja, por exemplo, as imagens em tela desenhadas por uma criança de 07 anos de idade: armas, ataques e batalhas, sangue escorrendo, terror…  No teatro isso é mais “dramático”, justamente porque os corpos estão ali, em interação.  A partir de Peter Slade (do seu já clássico O jogo dramático infantil), podemos entender que, no primeiro caso, o jogo é projetado (no papel, quando se trata de desenho, ou com objetos e bonecos).  E nos jogos simbólicos e corporais, o jogo é pessoal.  Nestes últimos, estamos envolvidos de corpo e alma.  E então, nos perguntamos mais uma vez: qual a natureza desses jogos corporais e simbólicos, quase sempre carregados de tais cenas agressivas e violentas?

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Teatro performativo com crianças

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Outro dia pude vivenciar uma experiência de teatro performativo com crianças.  O que vem a ser este tipo de criação cênica e corporal? Antes de tudo, trata-se de um plano contaminado pela Arte da Performance. E neste caso deparamo-nos, ainda, com as inúmeras  tentativas de classificação. Porém, mais intenso e expressivo é pensar por devir,   limiares e transformações… Isso não nos impede, evidentemente, de buscar definições. Não por contornos num sistema de encaixe, mas por vizinhanças e variações contínuas. Ou seja, fazendo-se em movimento. 

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Brincar de esconder: um modo de percepção

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Imagem: Ana Cotta

Outro dia, voltei a brincar de esconde-esconde. Eram três meninas e um menino. Como eles não se conheciam, encontravam dificuldades para estabelecer contato. Então, sugeri que brincássemos de esconde-esconde. E fui convidado a brincar também. Há muito não me envolvo com as sensações desse jogo. Desde quando? Nem me lembro… A brincadeira em tela é toda uma coisa de tempo,  duração e  linhas de percepção. Aqui, mais do nunca, estamos vivendo o ser ou não ser percebido.

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Cultura lúdica da infância: além da nostalgia

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Imagem por Fily

Como não recair na nostalgia quando falamos de uma cultura lúdica da infância? O movimento retroage. E nos encontramos, assim, no território seguro de uma eterna repetição.

Ir além da nostalgia é a tarefa cotidiana daqueles e daquelas que têm a ludicidade da criança por tema e paixão. Em busca de algo que a lembrança não consegue abarcar mas que é pura memória e jogo vivo de acasos e afetos.

Sempre digo que a infância tem uma altivez inexprimível. E uma dor e alegria que a acompanham. A criança está submetida ao adulto, ao que ele impõe ou antepõe para a configuração do mundo. Mas a criança, mesmo quando sofre a ação adulta, tem um sentido de sobrevivência no futuro. O adulto está cercado e por isso quer da criança sua adesão moral. Ocorre que a criança habita frestas e hesita entre ações úteis. Nisso reside seu poder e sua superioridade.

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Um mapa para o brincar

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Muito legal a iniciativa do blog da Folhinha ao criar o projeto Mapa do Brincar. Tanto as pessoas (adultos, crianças etc.) podem enviar relatos de suas brincadeiras quanto instituições. No site há todas as informações para participar do projeto. A iniciativa é interessante porque contribui para a socialização da cultura lúdica, como é praicadat por grupos humanos, épocas diferentes etc.

No blog há uma referência muito bacana às Meninas de  Sinhá, de Belo Horizonte. E é preciso dizer que o co-criador do album Tá Caindo Fulo é o músico, pesquisador cênico e brincante Gil Amâncio. Lembro-me quando Gil resolveu dedicar-se  também ao grupo de terceira idade que se reunia no Centro Cultural Alto-Vera Cruz, pesquisando principalmente as canções de roda. O resultado disso é o cd premiado.

Pelo blog do projeto você toma conhecimento também de muitas brincadeiras e de como as pessoas brincam.

Então, fica o convite.

Mais referências:

Regulamento do Projeto Mapa do Brincar

Ficha de inscrição Projeto Mapa do Brincar

Vamos brincar de quê? Por Quintarola (Cláudia Souza)

Vivo ou morto? Por Quintarola (Cibele Carvalho)

Tempo de brincar de quê? Por Luiz Carlos Garrocho

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Um artista brincante: Dim

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Brincando na chuva. Autor: Dim

Dim é um artista brincante. Como ele mesmo diz: “brinca de fazer brinquedos artesanais”. E isso há quarenta anos! Publico a seguir um pouco de sua história com o brinquedo, o brincar e a arte, a partir de uma mensagem que ele me enviou. Uma história muito bonita, de encher a vista.

João-teimoso: persistência e alegria

“Um dos brinquedos que eu mais gosto é o João-teimoso, porque ele traz a idéia de persistência, de nunca desistir dos nossos ideais. Ele foi um dos primeiros brinquedos que conheci, foi na feira de Camocim, a pedra. Chamava-se pedra porque era uma feira no calçamento mesmo, e tinha um pano estendido no chão e alguns brinquedos, mané-gostozo, rói-roi, na época conhecido como besouro. (…) E tinha um brinquedinho com umas orelhinhas pra cima, que parecia um coelho: era todo enfeitado com papel de seda e pintadinho, a gente derrubava e ele voltava, e eu gostava demais desse brinquedo porque achava interessante ele ir e voltar. Aí eu desmontei e descobri que tinha um peso ali em baixo, foi assim que descobri o João- teimoso. Até hoje ele está em tudo nos meus trabalhos.

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Memória: armazém de coisas ainda não-coisas

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Imagem: por Moontan

Por um desvio suave do dia, passei a pé pela rua onde morei desde a infância, quando me mudei para Belo Horizonte no início dos anos 60. Parei na esquina e fiquei um momento em silêncio. Sempre digo que o silêncio é uma estratégia de escuta, de recepção, de emergência de sensações outras. Assim, vieram coisas. Algumas lembranças logo apareceram. Emoções fortes surgiram.

Permaneci quieto.

A minha árvore ainda está lá. Menos a casa, que virou, com mais duas outras, um enorme prédio.

E vieram também lembranças puras. Como explicá-las? Elas não figuram. Mantém em suspenso qualquer atualização: estão lá, podem advir, mas permanecem ausentes. Armazém de coisas ainda não-coisas. São essas as forças que nos garantem em momentos difíceis, principalmente quando temos de nos inventar mais uma vez. Assim vejo a infância também: não o que se encaixa numa classificação das imagens registradas, mas aquilo que se abre para o futuro.