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O outro incluso e a narrativa: crianças jogando bola na rua

Ao descer a rua, numa tardinha, passo por dois meninos jogando bola numa esquina. De cada lado da rua, as garagens, com os respectivos portões, serviam de gol.

Um dos meninos, por volta dos dez a doze anos de idade, liderava em habilidades técnicas com a bola. O outro, próximo também dessa idade, apresentava dificuldades. Ele não dominava a bola como o amigo, me parecendo algo como uma deficiência de articulação motora.

O jogo não era muito estimulante, tanto para o menino que era ágil como para o menino que apresentava dificuldade. Aquele não encontrava um adversário à sua altura, digamos assim. E o outro, seguia jogando, mas volta e meia sentia-se menor, ou menos qualificado.

Dei um toque rápido e direto no menino que apresentava domínio de bola:

Tenta jogar como se tivesse driblando a si mesmo, criando dificuldade para você e, então, permita que ele entre nesse espaço, no tempo dele.

Dito isso, passei a narrar o jogo, no estilo de radialistas que nomeavam cada detalhe para quem ouvia, pois não havia o recurso da imagem que diz quase tudo. E passei a cobrir principalmente o menino que não estava lá tão animado com o jogo:

“E lá vai o jogador com a bola nos pés rumando para o gol

Logo ele se animou, respondendo com alegria imensa, vivendo o jogo do jeito dele. E outro se divertia, pois conseguiu, afinal, um adversário à sua altura: ele próprio.

A narração criou uma camada de ficção – por onde o jogo se tornava grandioso, apesar de ser ali, naquela esquina. E a dificuldade extra trouxe a possibilidade de uma brecha. O outro incluso está aí: não só na abertura para o amigo encontrar um estímulo e possibilidade real de jogar, mas também o outro em si do jogador habilidoso.

O papel da ficção e de uma alteridade inclusa. Tudo a ver com o teatro como jogo. E me propous a trazer isso para os treinamentos e ensaios.

Por Luiz Carlos Garrocho

Pesquisador e criador cênico, arte-educador e militante estético-cultural.

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