A pergunta: a criança pequena faz teatro? Já abordei a questão em outra postagem, com o mesmo título da pergunta. O tema é recorrente. Desta vez, discuto novos aspectos, sem deixar de retomar o traçado essencial: a virada em direção ao brincar.
Categoria: Geral
Infância e memória
Uma existência se abre quando levo meu filho mais novo de volta para sua casa. Andar ao lado de uma criança é sempre uma coisa muito especial. Mas naquele dia foi outra coisa: eu não andava mais em direção à sua casa com o objetivo de levá-lo tão somente, mas adentrava um mundo.
Bonito demais de se ver (e ler) o blog Quintarola, publicado por Cibele Carvalho e Cláudia Souza. São dicas e luminosidades do ser criança e do mundo do quintal.
Conheci Cláudia há anos, quando trabalhávamos juntos no Balão Vermelho, uma escola-quintal de tempos outros & invenções mil. Ah… um dia conto um pouco disso tudo! Depois, os tempos vão e eu trago meu 4o bebê para o espaço-quintal-do brincar, o Clic (Centro Lúdico de Educação e Cultura, em BH), que Cláudia fundou com outras duas pessoas, a Catarina Beleza, musicista e sua chará Cláudia.
Cibele eu já conheci rapidamente, através de Ricardo Júnior, companheiro de andanças, teatros e filosofias – e, hoje, um filmaker de mão cheia.
Então, bom proveito!
As nossas escolas públicas estão configuradas, quanto à adiministração dos tempos e dos espaços, com base nas sociedades disciplinares. Foucault produziu o conceito para definir um tipo de organização social fundada no fechamento e no isolamento, na vigilância e na punição. Alguns exemplos: a caserna, o convento, a escola, o hospital, o hospício… Exclusão e inclusão, fechamento e codificação definida, estável, tudo isso faz parte de um tipo de sociedade cujo fundamento é a disciplina.
O brincar é um platô
O brincar como um platô. Antes de explicitar qualquer referência sobre a definição do conceito fabricado por Deleuze e Guattari, quero dizer como fui afetado (e modificado) mais uma vez pela invasão doce e bárbara da cultura lúdica da infância. E assim falo do platô.
Os dois meninos brincavam. De longe eu ouvia as vozes de excitação e, posso dizer com Oswald de Andrade, da alegria que é a “prova dos nove”. Estava navegando na internet, mas imerso na luminosidade sonora de uma tarde tomada por vozes de crianças.
A criança e as potências do movimento
A criança vive fazendo mapas: incide os afetos nos trajetos e vice-versa (Deleuze). Daí o movimento como operador de sentido – de uma lógica da sensação. Ocorre que na criança o movimento prolifera tanto que os adultos não conseguem valorizá-lo, até porque já estão por demais entediados. Uma outra economia da libido, portanto, é o que implica o movimento livre e exploratório da criança.
Como o movimento exploratório e sensível é da ordem do brincar, não sendo economicamente produtivo, ele não tem utilidade. E no entanto, todas as forças germinativas estão ali, em agitação molecular. E sobre as potências da vida e do movimento Bergson tem o que dizer:
“Parece-me (…) verossímil que a consciência se entorpece quando não há mais movimento expontâneo e se exalta quando a vida se apóia na atividade livre.” Bergson, H. – Conferência proferida na Universidade de Birmingham, em 29 de maio de 1911
Citado por Marcos Lyra em Bergson: a consciência e a vida (publicado em O estrangeiro.net)
O menino brinca sozinho: linhas de errância
“…[what] we are doing is living, and that we are not moving toward a goal, but are, so to sepeak, at the goal constantly and change with it, and the art, if is going to do anything useful, should open our eys to this fact”. John Cage
(tradução livre: ” [o que] nós estamos fazendo é vivo, e nós não estamos nos movendo em direção a um objetivo, mas estamos, por assim dizer, no objetivo mesmo e nos modificando com ele, e a rte, se ela tem alguma utilidade, deveria ser de abrir nossos olhos para este fato”).
Referências:
John Cage foi um músico e performer que exercitou e difundiu a experimentação artística, influenciando não só a música mas todo o campo da cena contemporânea (dança, teatro, performance art).
Imagem: LCG – Luís Felipe brincando nas areias do Rio São Francisco, em Pirapora-MG.
Quando perdemos o corpo
Do blog New D (nomadology), uma interessante postagem sobre perda do corpo e infância, por Rogério Felipe:
O brincar: percurso de leituras (1)
Uma leitura que me marcou muito foi Hommo Ludens de Huizinga. Lembro-me de como fiquei tomado pela densidade do texto. O que me tocou em primeira mão foi a noção de que as instituições mais sérias, de certo modo, não passam de jogo. E em outra mão, marcou-me a noção de autonomia desse espaço que é o jogo:
“Ele [o jogo] se insinua como atividade temporária, que tem uma finalidade autônoma e se realiza tendo em vista uma satisfação que consiste nessa própria realização. É pelo menos assim que, em primeira instância ele se nos apresenta: como um intervalo em nossa vida cotidiana.”
Comecei a estudar Piaget. Foi por força da novidade que era o construtivismo na educação. Dois livros tiveram seu lugar: A formação do símbolo na criança e O juízo moral na criança.
Estive em Cuiabá no dia 06.10 para discutir a Produção Teatral para Crianças, na Mostra Internacional de Teatro Infantil.
A minha apresentação teve por base as relações entre a produção cultural e a cultura da criança. Entendo que a produção cultural não pode deixar de ser contextualizada: o significado da infância em nossa sociedade. Para tanto, tomei como linha mestra o que Clarice Cohn chama de “a criança como sujeito cultural ativo e produtor de sentido sobre o mundo” (Antropologia da Criança, ed. Jorge Zahar).
Contexto: a criança como produtora de cultura
Esta abordagem traz, assim, uma “novidade” que, entretanto, encontra barreiras: a) por parte de um sistema de ensino que não consegue aceitar a criança fabuladora, isto é, a criança como produtora de cultura; b) por parte da indústria cultural que somente trata a criança como mera consumidora (e muito da produção teatral destinada a esse público vai nessa direção); c) pelo sistema da reprodução social, que insiste em ver a criança como o ser que “ainda não é”, que deve ser objeto de investimentos para “ser” no futuro.