Categorias
Arte-Educação Geral infância

Encontro em Cuiabá: a produção teatral para crianças

Estive em Cuiabá no dia 06.10 para discutir a Produção Teatral para Crianças, na Mostra Internacional de Teatro Infantil.

A minha apresentação teve por base as relações entre a produção cultural e a cultura da criança. Entendo que a produção cultural não pode deixar de ser contextualizada: o significado da infância em nossa sociedade. Para tanto, tomei como linha mestra o que Clarice Cohn chama de “a criança como sujeito cultural ativo e produtor de sentido sobre o mundo” (Antropologia da Criança, ed. Jorge Zahar).

Contexto: a criança como produtora de cultura

Esta abordagem traz, assim, uma “novidade” que, entretanto, encontra barreiras: a) por parte de um sistema de ensino que não consegue aceitar a criança fabuladora, isto é, a criança como produtora de cultura; b) por parte da indústria cultural que somente trata a criança como mera consumidora (e muito da produção teatral destinada a esse público vai nessa direção); c) pelo sistema da reprodução social, que insiste em ver a criança como o ser que “ainda não é”, que deve ser objeto de investimentos para “ser” no futuro. 

Categorias
Brincadeiras tradicionais Geral infância Poética do brincar

Tempo de brincar de quê?

oa_1824
Portinari: Meninos pulando carniça, 1957

A infância tornou-se, em determinados momentos históricos e em alguns contextos sociais, detentora da memória lúdica humana. Ela conquistou essa memória porque os adultos estavam por demais ocupados com a produção e a reprodução da vida, deixando ao mesmo tempo às crianças um tempo mais livre, distante da sua vigilância.

Além de serem depositárias de uma memória que os adultos não podem, nas sociedades industriais, exercitá-la, as crianças reinventam a história humana. Inventam o tempo em que os seres humanos se envolvem corporalmente com o mundo. A criança fabrica o sentido e explora os sentidos antes de ficar memorizando abstrações. Entra em contato com a terra, deixando-a deslizar pelas mãos, sentindo o seu escoamento até fazer um filete comprido, quando é mais fina. Ou então socar, ajuntar, atirar ou formar, se é mais grossa e úmida. Muitos artistas continuam fazendo e por isso eles guardam uma estranha e aparentemente secreta sensação de felicidade e liberdade.

As brincadeiras infantis relacionam-se em muitos casos com o tempo, com o seu caráter de estação. Quando o que fazemos interage com o mundo físico natural e a sensibilidade não está embotada, a cada época uma onda varre o território e todos testemunham algo inelutável: é tempo disso, ou daquilo…  

Categorias
Geral infância Poética do brincar

Um artesão do movimento

Num espaço aberto, observo de uma mesa, enquanto saboreio bem devagar um café, um menino com mais ou menos uns 05 anos, que brinca correndo em quase círculos. Há algumas poças de água, e ele corre em volta, algumas vezes passando muito perto, outras vezes pisando um pouquinho na água, de leve. O menino corre fazendo curvas bem amplas, para depois parar, quieto, assim, para nada. E então recomeça tudo de novo.

Óbvio que somente uma criança faz isso, sem finalidade outra que não a própria atividade. Se fosse um adulto, seria no mínimo uma pessoa tida como anormal. Ou, então, um artista do movimento… O que é o menino, quando brinca (com) o corpo, senão esse artesão do movimento?
Não estou dizendo de um ofício, que o ofício do menino é brincar. Estou dizendo de um ser que interage sensivelmente com o mundo e que traça desenhos intensivos.

Seu avô – e tudo leva a crer que era – entra naquele espaço. Ou tenta. Vai em direção ao menino. Raro ver uma pessoa mais velha, assim, disposta a brincar a brincadeira de um menino. Também, como os meninos, os avôs se prestam para as atividades sem finalidades produtivas…

Os pais vão saindo, chamando, mas o menino não para – continua a correr nesses amplos quase círculos. O avô vai e imita um avião com os braços abertos. Ahh, acho que entendi: ele traduz o movimento do menino, suas curvas, em movimento de um avião. O avô quer dar significado ao movimento do menino.

O menino observa o avô. E não para. Num momento parece que ia fazer como o avô fazia (imitar um avião), mas não, após um ínfimo de imitação – quase uma concessão, se entendi bem a “conversa” dos dois – o menino retoma os amplos quase círculos.

O avô está encantado com o menino. Aproxima-se. Abraça-o. Traz para o menino o seu modo de brincar com o corpo do outro. O menino interage, copia o avô. Faz coisas com ele, como ele faz. Abraçam um ao outro.

E o menino volta a correr, em trajetórias amplas, quase círculos. Uma necessidade, no mínimo. Depois o avô some para um lado. Os pais reaparecem, buscando o menino. A família vai embora toda junto.

O brincar é isso: as pessoas o consideram algo próximo de um desperdício de energias. Não entendem que é um modo de habitar o mundo, um artesanato do movimento.